Faz quatro anos que encerrei a Coluna Miolo de Pote (http://colunamiolodepote.blogspot.com.br/), publicada semanalmente durante seis anos. O último artigo da coluna foi escrito durante a realização do I Fórum Setorial de Culturas Ayahuasqueiras, no Ciclu-Midã um dos centros religiosos do Alto Santo, como também é conhecido o Bairro Irineu Serra.
Coincidentemente,
essa nova coluna começa logo após o encerramento da II Conferência Mundial da
Ayahuasca. Circularidades da história... Nenhum acaso.
Inicialmente
pretendo escrever uma série de artigos relacionados à “Ayahuasca, Daime, Cipó”,
como diz a musica de nossa querida Keilah Diniz. Não apenas sobre a
Conferência, mas sem perdê-la de vista. Depois, voltamos a outras histórias que
o tempo nos solicitar...
Quem fala pela
Ayahuasca...
Confesso
que, durante esses últimos dias, na II Conferência Mundial da Ayahuasca, fiquei
incomodado, em algumas situações, por estar usando o nome “Ayahuasca” para
designar aquilo que há décadas chamamos aqui de “Daime”. Afinal, deixar de usar
nossa própria denominação para adotar um nome dos “outros” pode ser perigoso e
diluidor de nossa consciência histórica.
Entretanto,
todas às vezes que fiquei aflito sossegava meu desassossego ao lembrar de quando,
como e porque esse nome foi adotado pelos Daimistas acreanos. Segundo relatos
que ouvi de pessoas que lá estiveram: já no início da primeira grande reunião
feita entre adeptos das diferentes doutrinas surgidas aqui na Amazônia
Ocidental, em 1991, ocorreram dificuldades de diálogo porque uns chamavam de
Daime, outros de Vegetal, outros de Cipó, de Mariri e assim por diante. Como forma
de resolver o impasse, se convencionou adotar o termo Ayahuasca por ser neutro
em relação à realidade local.
Curiosamente,
esse termo de origem andina, língua Quéchua, acabou se estendendo, mais
recentemente, também ao mundo científico em suas muitas linguagens: humanas, da
natureza, biomédicas, jurídicas, etc. Ou seja, “Ayahuasca” se tornou o nome
comum quando usado entre os diferentes. Circularidades da história... Nenhum
acaso. Mas, isso mostra como os “ayahuasqueiros” acreanos de 1991 conseguiram
antecipar o que estava por vir.
Aliás,
anteciparam muito mais que a necessidade de um nome genérico e comum a todos. A Conferência de 1991 teve um resultado extraordinário que também antecipou um dos
principais desafios de nosso tempo e motivo de grandes embates na recente
Conferência Mundial: quais princípios são imprescindíveis para garantir a
preservação das culturas ayahuasqueiras e de suas espiritualidades diante das
forças econômicas que pressionam permanentemente para tornar esse chá milenar um
mero produto submetido às forças e regras do mercado global?
Nascia
assim a “Carta de Princípios” (http://www.mestreirineu.org/liberdade_carta.htm) que, nas duas
últimas décadas, serviu como balizamento ético e político para a conduta de boa
parte dos centros religiosos originados dos ensinamentos dos Mestres Irineu,
Daniel e Gabriel. Ou seja, muito da atual II Conferência Mundial girou em torno
de debates e problemas que já eram encarados com coragem, determinação e
profundidade aqui no Acre, há 25 anos.