quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Pra inicio de conversa


Faz quatro anos que encerrei a Coluna Miolo de Pote (http://colunamiolodepote.blogspot.com.br/), publicada semanalmente durante seis anos. O último artigo da coluna foi escrito durante a realização do I Fórum Setorial de Culturas Ayahuasqueiras, no Ciclu-Midã um dos centros religiosos do Alto Santo, como também é conhecido o Bairro Irineu Serra.
Coincidentemente, essa nova coluna começa logo após o encerramento da II Conferência Mundial da Ayahuasca. Circularidades da história... Nenhum acaso.
Inicialmente pretendo escrever uma série de artigos relacionados à “Ayahuasca, Daime, Cipó”, como diz a musica de nossa querida Keilah Diniz. Não apenas sobre a Conferência, mas sem perdê-la de vista. Depois, voltamos a outras histórias que o tempo nos solicitar...



Quem fala pela Ayahuasca...
Confesso que, durante esses últimos dias, na II Conferência Mundial da Ayahuasca, fiquei incomodado, em algumas situações, por estar usando o nome “Ayahuasca” para designar aquilo que há décadas chamamos aqui de “Daime”. Afinal, deixar de usar nossa própria denominação para adotar um nome dos “outros” pode ser perigoso e diluidor de nossa consciência histórica.
Entretanto, todas às vezes que fiquei aflito sossegava meu desassossego ao lembrar de quando, como e porque esse nome foi adotado pelos Daimistas acreanos. Segundo relatos que ouvi de pessoas que lá estiveram: já no início da primeira grande reunião feita entre adeptos das diferentes doutrinas surgidas aqui na Amazônia Ocidental, em 1991, ocorreram dificuldades de diálogo porque uns chamavam de Daime, outros de Vegetal, outros de Cipó, de Mariri e assim por diante. Como forma de resolver o impasse, se convencionou adotar o termo Ayahuasca por ser neutro em relação à realidade local.
Curiosamente, esse termo de origem andina, língua Quéchua, acabou se estendendo, mais recentemente, também ao mundo científico em suas muitas linguagens: humanas, da natureza, biomédicas, jurídicas, etc. Ou seja, “Ayahuasca” se tornou o nome comum quando usado entre os diferentes. Circularidades da história... Nenhum acaso. Mas, isso mostra como os “ayahuasqueiros” acreanos de 1991 conseguiram antecipar o que estava por vir.
Aliás, anteciparam muito mais que a necessidade de um nome genérico e comum a todos. A Conferência de 1991 teve um resultado extraordinário que também antecipou um dos principais desafios de nosso tempo e motivo de grandes embates na recente Conferência Mundial: quais princípios são imprescindíveis para garantir a preservação das culturas ayahuasqueiras e de suas espiritualidades diante das forças econômicas que pressionam permanentemente para tornar esse chá milenar um mero produto submetido às forças e regras do mercado global?
Nascia assim a “Carta de Princípios” (http://www.mestreirineu.org/liberdade_carta.htm) que, nas duas últimas décadas, serviu como balizamento ético e político para a conduta de boa parte dos centros religiosos originados dos ensinamentos dos Mestres Irineu, Daniel e Gabriel. Ou seja, muito da atual II Conferência Mundial girou em torno de debates e problemas que já eram encarados com coragem, determinação e profundidade aqui no Acre, há 25 anos.